Legislação do Georreferenciamento
Publicação do decreto que alterou
algumas regras do novo sistema.
Uma vitória da democracia
Foi publicado, no Diário Oficial da União
de hoje (1º/11/2005), o Decreto nº 5.570, de 31 de outubro de 2005, que
trata da nova redação de alguns dispositivos do Decreto nº 4.449/2002
que regulamentou a Legislação do Georreferenciamento.
Conforme pode ser observado, praticamente
todas as alterações seguiram as propostas da Carta de Araraquara,
documento produzido no 19º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de
Imóveis, realizado de 9 a 11 de julho de 2004, em Araraquara-SP.
O presente decreto é uma demonstração
positiva tanto para nós registradores, que provamos ser importante a
participação de todos com propostas concretas e eficazes, como para o próprio
Governo Federal, que não ficou alheio às discussões e soube dar uma
resposta para viabilizar a legislação do georreferenciamento.
O IRIB - Instituto de Registro Imobiliário
do Brasil sempre apoiou a iniciativa estatal de melhorar o cadastro e o
registro dos imóveis rurais, mas não poderia ficar inerte diante da notória
inexeqüibilidade de alguns de seus dispositivos, que, em vez de colaborar
para o aperfeiçoamento do sistema, poderia inviabilizá-lo de vez.
Foi com esse intuito que o registrador
brasileiro lavrou a Carta de Araraquara. E foi com essa mesma intenção
que vários outros eventos foram organizados pelo IRIB para trazer outros
setores da sociedade ao fórum de discussões, sempre com o intuito único
de buscar soluções em prol dessa importante iniciativa pública, nunca
com a intenção de inviabilizar a nova legislação.
Houve muita labuta, discussões, propostas,
eventos, reuniões, enfim, uma longa procissão em busca da tão desejada
flexibilização da “legislação do Geo”. E hoje aqui está o
resultado. Valeu a pena!
O IRIB não poderia deixar de agradecer a
todos que colaboram para que esse resultado fosse alcançado. De um lado,
o Incra, que cumpriu sua promessa firmada no “GeoLondrina” e em várias
outras oportunidades. De outro, a sociedade, por intermédio de várias
instituições e profissionais preocupados com o futuro do País. Não há
como nominar os colaboradores, pois, dentre tantos, há muitos anônimos.
Neste caso, o IRIB parabeniza toda a sociedade brasileira, por mais uma
vitória democrática.
Resumo das novas regras
Observação: os presentes comentários
foram feitos sem uma profunda análise em virtude da necessidade de rápida
divulgação das mudanças (que, ressalte-se, estão valendo desde já!),
podendo haver equívocos que, sendo identificados, serão imediatamente
divulgados.
As principais alterações havidas na
legislação do georreferenciamento são as seguintes:
1. Interconexão Incra-Registro:
a comunicação do Incra ao Registro de Imóveis não será mais
obrigatoriamente “por escrito” (expressão que fora suprimida do texto
original) , podendo, portanto, ser por sistema informatizado;
a comunicação Registro-Incra, prevista no artigo 4º do decreto
regulamentador, não precisou sofrer mudanças, uma vez que tal expressão
(“por escrito”) não consta do texto original;
conclusão: a efetivação da interconexão pelo sistema informatizado
fica agora a cargo dos atos normativos a serem expedidos pelo Incra.
2. A adequação do imóvel rural ao novo
sistema georreferenciado
retirada a expressão “respeitadas as divisas do imóvel” do §3º do
artigo 9º do decreto regulamentador, o que evita a falsa conclusão de
que a nova descrição deveria apresentar semelhança com a descrição
tabular, uma vez que muitos imóveis nem sequer possuem descrição no
registro;
incluída, no mesmo dispositivo, a necessária observância do §13 do
artigo 213 da Lei dos Registros Públicos, ou seja, a adequação do imóvel
às regras do georreferenciamento é uma forma de retificação de
registro, apesar de possuir regras próprias, dispostas no decreto e em
atos normativos do Incra. Dessa forma, deve-se utilizar de forma integrada
as regras do artigo 213 com as regras específicas do georreferenciamento,
sempre que se mostrarem necessárias para viabilizar o novo sistema;
retirada a expressão “que não excedam os limites preceituados na
legislação vigente” do §4º do artigo 9º do decreto regulamentador.
Toda retificação serve apenas para corrigir erro do registro, ou seja,
nunca pode resultar em aumento real de área, mas pode apurar que a área
verdadeira do imóvel era bem diversa da constante do registro (comprovado
ser erro do registro, viável a sua retificação, independentemente da
discrepância entre o valor equivocado e o real);
no §5º foi alterada a “averbação da nova descrição” para
“abertura de nova matrícula para o imóvel georreferenciado”. Com
isso, as matrículas antigas serão encerradas e o imóvel
georreferenciado será uma matrícula nova, saneada, e, se necessário,
com a averbação de transporte de todos os ônus eventualmente
existentes;
no §8º foi resolvida uma situação que estava causando alguns problemas
em certas regiões do País. A partir de agora, ficou claro que, na falta
de anuência de algum confrontante, isso não será fator impeditivo da
certificação, competindo ao interessado suprir essa deficiência perante
o Registro Imobiliário que providenciará as notificações nos termos
dos §§2º a 6º do artigo 213 da LRP. Trata-se de outra evidência de
que a adequação do imóvel rural ao georreferenciamento é uma espécie
de retificação de registro;
Nesse mesmo §8º foi suprimida a expressão “encaminhará a documentação
ao juiz competente”, o que reforça a característica retificatória do
“georreferenciamento”;
inclusão do §9º, que determina o óbvio: a adequação do imóvel rural
à nova legislação somente poderá ocorrer com a certificação do
Incra, ou seja, mesmo que esteja georreferenciado de acordo com as técnicas
e regras da nova legislação, esse imóvel somente será considerado
“apto” à nova legislação se estiver devidamente certificado por
aquela autarquia federal.
3. Os novos prazos
novo referencial dos prazos: contados a partir de 20/11/2003, data da
publicação dos atos normativos do Incra;
os prazos principais se referem aos casos de desmembramento, parcelamento,
remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural:
20/11/2008: imóveis com área de 500 a menos de 1.000 hectares;
20/11/2011: imóveis com área inferior a 500 hectares, ou seja, todos os
demais imóveis rurais.
após os prazos, o oficial fica proibido de praticar na matrícula tão-somente
os atos registrais geradores da obrigação de georreferenciar
(desmembramento, parcelamento, remembramento e alienação) e retificação
judicial ou extrajudicial da descrição tabular do imóvel;
atenção: o novo texto pode levar à falsa interpretação de que agora
é possível a alienação de fração ideal de imóvel com prazo
carencial já vencido (pois o inciso II do §2º do artigo 10 do decreto
prevê: “transferência de área total”). Isso não é verdade! O
inciso II se refere a “área total” em contrapartida ao inciso I que
se refere a “desmembramento”, ou seja “área parcial” (para o
Incra e para vários doutrinadores, desmembramento de área rural somente
é permitida para fins de alienação);
todos os títulos (públicos, particulares ou judiciais) lavrados antes de
1º/11/2005 sem o “Geo” não necessitarão de re-ratificação se
vierem acompanhados dos novos trabalhos técnicos e da certificação do
Incra, observados os novos prazos do decreto;
prazos para o imóvel rural objeto de ação judicial:
vale a data do ajuizamento da ação (protocolo da petição inicial);
petições já protocoladas: novos prazos do artigo 10 do decreto;
petições protocoladas a partir de hoje: exigência imediata do “Geo”,
independentemente da área do imóvel.
Principais críticas
Apesar de ter flexibilizado bastante a
legislação, há alguns pontos que merecem comentário:
os imóveis com área inferiores a 4 MF (com direito à gratuidade)
deveriam ter sido totalmente desonerados da obrigação de georreferenciar,
competindo ao Incra fazê-lo quando possível.
numa primeira leitura, esse problema somente voltará a preocupar quando
da proximidade do final do prazo (em 2011), mas há os casos, por exemplo,
de ajuizamento de usucapião, cujo prazo é “nenhum” se a petição não
foi protocolada até 31/10/2005;
esse desrespeito à regra da gratuidade parece ser a maior falha do
presente decreto;
a aparente liberação de venda de ”frações ideais” para os imóveis
com prazo carencial vencido poderá levar a uma série de atos
fraudulentos de impossível controle pelo registrador;
o remodelado artigo 16 do decreto contraria o previsto no §13 do artigo
213 da Lei de Registros Públicos, que não traz a exigência de o título
ter sido lavrado “anteriormente à publicação deste decreto”;
o remodelado §3º do artigo 9º do decreto parece indicar que prevalece o
entendimento da LRP;
dessa forma, parece haver um conflito entre a LRP e o decreto, sendo pela
lei possível a lavratura de escritura pública de imóvel com prazo
vencido (somente registrado nos termos do §13 do artigo 213 com a
apresentação dos trabalhos técnicos e a certificação) e, somente pelo
artigo 16 decreto, irregular essa providência.
Conclusão
O novo decreto foi publicado, tendo os
principais anseios sido acatados. Como o prazo foi estendido com certa
folga, haverá tempo suficiente para analisar suas conseqüências e, se
for ocaso, propor novas alternativas.
Após ter parabenizado todos que colaboram
para que esse novo decreto se concretizasse, sobra-nos apenas uma coisa: mãos
à obra!
Texto integral do novo decreto
DECRETO Nº 5.570, DE 31 DE OUTUBRO DE
2005
Dá nova redação a dispositivos do
Decreto no 4.449, de 30 de outubro de 2002, e dá outras providências.
Art. 1º Os arts. 5º, 9º, 10 e 16 do
Decreto no 4.449, de 30 de outubro de 2002, passam a vigorar com a
seguinte redação:
“Art. 5º O INCRA comunicará,
mensalmente, aos serviços de registros de imóveis os códigos dos imóveis
rurais decorrentes de mudança de titularidade, parcelamento,
desmembramento, loteamento e unificação, na forma prevista no § 1º do
art. 4º.” (NR)
“Art. 9º
............................................................................
§ 3º Para os fins e efeitos do § 2º do
art. 225 da Lei no 6.015, de 1973, a primeira apresentação do memorial
descritivo segundo os ditames do § 3º do art. 176 e do § 3º do art.
225 da mesma Lei, e nos termos deste Decreto, respeitados os direitos de
terceiros confrontantes, não caracterizará irregularidade impeditiva de
novo registro desde que presente o requisito do § 13 do art. 213 da Lei
no 6.015, de 1973, devendo, no entanto, os subseqüentes estar
rigorosamente de acordo com o referido § 2º, sob pena de incorrer em
irregularidade sempre que a caracterização do imóvel não for
coincidente com a constante do primeiro registro de memorial
georreferenciado, excetuadas as hipóteses de alterações expressamente
previstas em lei.
§ 4º Visando a finalidade do § 3º, e
desde que mantidos os direitos de terceiros confrontantes, não serão
opostas ao memorial georreferenciado as discrepâncias de área constantes
da matrícula do imóvel.
§ 5º O memorial descritivo, que de
qualquer modo possa alterar o registro, resultará numa nova matrícula
com encerramento da matrícula anterior no serviço de registro de imóveis
competente, mediante requerimento do interessado, contendo declaração
firmada sob pena de responsabilidade civil e criminal, com firma
reconhecida, de que foram respeitados os direitos dos confrontantes,
acompanhado da certificação prevista no § 1º deste artigo, do CCIR e
da prova de quitação do ITR dos últimos cinco exercícios, quando for o
caso.
§ 8º Não sendo apresentadas as declarações
constantes do § 6º, o interessado, após obter a certificação prevista
no § 1º, requererá ao oficial de registro que proceda de acordo com os
§§ 2º, 3º, 4º, 5º e 6º do art. 213 da Lei no 6.015, de 1973.
§ 9º Em nenhuma hipótese a adequação
do imóvel às exigências do art. 176, §§ 3º e 4º, e do art. 225, §
3º, da Lei no 6.015, de 1973, poderá ser feita sem a certificação do
memorial descritivo expedida pelo INCRA.” (NR)
“Art. 10. A identificação da área do
imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei no 6.015, de
1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento,
remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural,
na forma do art. 9º, somente após transcorridos os seguintes prazos:
...............................................................................
III - cinco anos, para os imóveis com área
de quinhentos a menos de mil hectares;
IV - oito anos, para os imóveis com área
inferior a quinhentos hectares.
§ 1o Quando se tratar da primeira
apresentação do memorial descritivo, para adequação da descrição do
imóvel rural às exigências dos §§ 3º e 4º do art. 176 e do § 3º
do art. 225 da Lei no 6.015, de 1973, aplicar-se-ão as disposições
contidas no § 4º do art. 9o deste Decreto.
§ 2o Após os prazos assinalados nos
incisos I a IV do caput, fica defeso ao oficial do registro de imóveis a
prática dos seguintes atos registrais envolvendo as áreas rurais de que
tratam aqueles incisos, até que seja feita a identificação do imóvel
na forma prevista neste Decreto:
I - desmembramento, parcelamento ou
remembramento;
II - transferência de área total;
III - criação ou alteração da descrição
do imóvel, resultante de qualquer procedimento judicial ou
administrativo.
§ 3o Ter-se-á por início de contagem dos
prazos fixados nos incisos do caput deste artigo a data de 20 de novembro
de 2003.” (NR)
“Art. 16. Os títulos públicos,
particulares e judiciais, relativos a imóveis rurais, lavrados,
outorgados ou homologados anteriormente à publicação deste Decreto, que
importem em transferência de domínio, desmembramento, parcelamento ou
remembramento de imóveis rurais, e que exijam a identificação da área,
poderão ser objeto de registro, acompanhados de memorial descritivo
elaborado nos termos deste Decreto, observando-se os prazos fixados no
art. 10.” (NR)
Art. 2º A identificação do imóvel rural
objeto de ação judicial, conforme previsto no § 3º do art. 225 da Lei
6.015, de 31 de dezembro de 1973, será exigida nas seguintes situações
e prazos:
I - imediatamente, qualquer que seja a
dimensão da área, nas ações ajuizadas a partir da publicação deste
Decreto;
II - nas ações ajuizadas antes da publicação
deste Decreto, em trâmite, serão observados os prazos fixados no art. 10
do Decreto no 4.449, de 2002.
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na
data de sua publicação.
Art. 4º Fica revogado o § 2º do art. 4º
do Decreto no 4.449, de 30 de outubro de 2002.
Brasília, 31 de outubro de 2005; 184º da
Independência e 117º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Miguel Soldatelli Rossetto